Quando planejamos um livro de ficção, dois tipos de força não podem faltar, são elas: protagonista e antagonista. Todo livro Best-seller na categoria romance / ficção possui um protagonismo e um antagonismo bem definidos e bem trabalhados ao longo da trama.
Assim, uma das primeiras percepções que um escritor deve ter quando planejar sua estória é do seu protagonista e antagonista. Este post vai ajudar nesta tarefa. Leia até o final e confira!
Índice
O que é o protagonista e antagonista de uma estória
Segundo a bibliografia que adotamos em nossos estudos de storytelling e escrita criativa, o protagonista é a força de vontade da estória. De modo que as suas ações e reações empurram a estória do ponto de partida ao ponto de chegada, ou seja, do início ao fim da narrativa.
“O protagonista é um personagem voluntarioso.” — Robert Mckee
“O protagonista tem a força de vontade e a capacidade de buscar o objeto de seu desejo consciente e/ou inconsciente até o fim da linha, no limite humano estabelecido pelo ambiente e pelo gênero”. — Robert Mckee.
O antagonista ou antagonismo, por sua vez, se trata da força contrária aos desejos, ações e reações do protagonista, um bloqueio que tenta impedir o avanço de sua jornada.
O termo mais adequado é “força do antagonismo”, pois esse obstáculo não necessariamente é um personagem. Pode ser um conflito interno do próprio protagonista. Por exemplo, em “Procurando Nemo” o antagonismo poderia ser os perigos da vida marinha e o medo de Marlin do mar, fundamentado em uma experiência traumática de seu passado.
Em suma, o antagonismo é um fator que dificulta a vida do protagonista, que o faz reagir em função do que deseja, seja consciente ou inconscientemente.
Por outro lado, quando um personagem assume as forças do antagonismo, ele se torna o antagonista da estória. Daí a relação protagonista e antagonista. Quando isso acontece, esse personagem contrário ao protagonista também pode ser chamado de vilão.
Compreendendo desejos e motivações
Agora que estabelecemos o que é protagonista e antagonista, é preciso que o escritor também tenha em mente dois princípios que envolvem estes dois tipos de personagens. Quais sejam: seus desejos e motivações.
O protagonista de uma estória quer alguma coisa. Esse desejo pode ser em níveis internos ou externos, conscientes ou inconscientes. O autor precisa vasculhar a mente e o coração desse personagem e saber o que é de fato este desejo e qual a expressão disso ao longo da estória.
Em outras palavras, o protagonista pode pensar querer uma coisa e subconscientemente querer outra. Por exemplo, alguém que pretende ser um homem de família, mas suas ações mostram um desejo inconsciente de ser uma eterna criança. Só para ilustrar, lida com os filhos de igual para igual, implicando com eles como se fosse um coleguinha de escola e até mesmo fazendo bullings.
Nesse caso, o antagonismo pode ser justamente o conflito interno desse protagonista: ser um homem ou uma criança. Ou, se for um vilão, pode ser alguém que impulsiona o desejo inconsciente contrário ao consciente. Por exemplo, um amigo solteirão que sempre cria situações para afastar o protagonista de sua família.
O que e por que
Nesse sentido, o escritor precisa saber como o protagonista vai começar a estória e como vai terminar. Ele ou ela terminará a narrativa de forma mais positiva como começou, igual ou negativa?
Após decidir qual será o resultado dessa evolução, se positiva, neutra ou negativa, é preciso definir o que vai fazer este personagem se mover e por quê. Esta última pergunta mostra sua motivação.
No exemplo anterior, o escritor pode trabalhar um desvio na infância do protagonista. Talvez, um problema financeiro que o forçou a trabalhar muito cedo, perdendo parte dessa preciosa fase. Assim, sua motivação inconsciente poderia ser recompensar esse tempo perdido, de modo que este homem acabe se voltando para brincadeiras e jogos infantis para sua idade.
Por outro lado, a motivação externa, consciente, poderia ser o bem estar da família. Talvez, garantir que seus filhos jamais passem pelas mesmas dificuldades financeiras e não percam sua própria infância.
Nesse meio tempo, entra o antagonismo, desestabilizando a situação, criando conflitos externos e internos cada vez maiores. Por exemplo, imagine que este homem fique desempregado. Como ele reagiria? Motivado pelo consciente, procuraria um novo emprego, ou pelo inconsciente, ficaria em casa jogando vídeo game ignorando a realidade financeira, deixando tudo nas costas da esposa?
A lição
Ainda nessas avaliações, o escritor também precisa refletir sobre o que o protagonista precisa e se vai aprender a lição no fim da estória. Ou seja, se haverá uma correção de caráter ou não.
Se o protagonista terminar a estória de forma positiva, a lição foi aprendida e ele terá uma correção de caráter. Segundo o exemplo aplicado até aqui, o protagonista vai assumir sua responsabilidade e se tornar de fato um homem de família. Para isso, precisará abrir mão do seu desejo inconsciente, superar seus traumas e seguir em frente, em prol do seu presente e futuro — do bem estar de sua família.
Caso contrário, se optar pelo que deseja, não acatar à lição e terminar a estória de maneira negativa, poderia, por exemplo, terminar o casamento, sair de casa e seguir sua vida como um solteirão, vivendo a infância que não teve anteriormente.
Assim, cabe ao escritor tomar essas decisões criativas e expressar essa evolução em forma de eventos, reações e decisões.
As características físicas do personagem, por sua vez, apenas ilustrarão essa batalha interior e o resultado final da trajetória a ser percorrida por esse protagonista.
Tipos de protagonismos
O protagonista único, seja um homem, uma mulher ou uma criatura fantástica, é comum na arquitrama — design clássico das estórias. Segundo Mckee, o design clássico é:
“Uma estória construída ao redor de um protagonista ativo, que luta contra forças do antagonismo fundamentalmente externas para perseguir seu desejo, em tempo contínuo, dentro de uma realidade ficcional consistente e causalmente conectada, levando-o a um final fechado com mudanças absolutas e irreversíveis.”
Essa definição nos revela outro tipo de protagonismo, o ativo, que luta abertamente contra o antagonismo. Sendo que isso tudo é feito de uma maneira basicamente externa. Neste caso, geralmente, lidamos com um vilão, tipo Darth Vader, Voldemort, a Rainha Má, Malévola e etc.
Protagonista na Arquitrama, Multitrama e Minitrama
Na arquitrama, o protagonista age, ou seja, combate diretamente este antagonismo, estando em conflito direto com as pessoas e o mundo que o cerca.
Por outro lado, se existe um protagonista único e ativo, existe também o passivo e os múltiplos.
O protagonismo múltiplo ocorre no design conhecido como multiplot ou multitrama, que se tornou popular em estórias audiovisuais em meados da década de 1980.
O multiplot nada mais é do que subdividir a estória em estórias menores. Cada uma dessas subtramas tem seus protagonistas, que convergem para um ponto comum ao longo da narrativa. Assim, esse tipo de estória envolve tantos protagonistas quanto for o número de subtramas. Destaca-se nesse modelo a popular saga Game of Thrones, de R. R. Martin.
O personagem passivo, por sua vez, não é exclusivo do multiplot, sendo também característico do design que lhe deu origem, o minimalista. Este tipo de estória tem mais conflito interno, também lida com múltiplos protagonistas, bem como final aberto.
Estas são aquelas estórias que passam na mente do protagonista, na sua perspectiva e o final fica por conta da audiência. Ao invés de ter uma resposta, tem mais perguntas. Por exemplo, Dom Casmurro, de Machado de Assis. Capitu seria adúltera ou o protagonista é apenas um marido ciumento e inseguro?
Quanto ao protagonista passivo, característico nesse tipo de narrativa, geralmente é o tipo de personagem que luta mais com os conflitos internos do que externos. É o tipo de personagem que deixa as coisas acontecer ao invés de fazê-las acontecer. Apenas reage diante o seu mundo e às pessoas ao redor.
Personagem ativo x passivo
Vale ressaltar que um personagem passivo não é sinônimo de desinteressante. Para trabalhar com este tipo de protagonista, o escritor precisa criar diferentes níveis de conflito, gerando uma pressão maior para ele ou ela reagir até o ponto final de estória.
Além disso, o fato de não agir sobre uma situação, geralmente, a piora e gera consequências muito ruins. Ou seja, a passividade do protagonista pode ser seu próprio antagonismo.
Por outro lado, o protagonista ativo é ação pura. Ele busca constantemente seu desejo de forma direta e aberta, lutando ativamente contra os obstáculos que o cercam. Por exemplo, Harry Potter, que resolve impedir o roubo da pedra filosofal, capaz de produzir o elixir da vida e restaurar o poder de Voldemort, o vilão da estória.
Logo, não há melhor ou pior. Tudo depende do tipo de estória que o escritor está se propondo a contar. O interesse surge da perfeita composição deste personagem, o que requer domínio do design escolhido e suas demais características.
Vale ressaltar ainda que todos os demais designs partem do design clássico. Portanto, qualquer escritor que se preze precisa dominar as particularidades da arquitrama. Só então partir para os demais modelos. Acompanhe nosso blog para continuar aprendendo mais sobre o assunto!
Protagonista redondo e plano
Também vale ter em mente a mudança que este personagem terá ao longo da estória. Se permanecerá o mesmo ou terá contrastes durante sua trajetória.
Só para ilustrar, vários mocinhos e mocinhas de contos de fadas são excessivamente bons. Não alteram a essências de suas ações e reações mesmo com as formas mais vis de antagonismo. De forma semelhante os vilões, que são basicamente maus do início ao fim da estória.
Este é um tipo de personagem plano ou também chamado de linear, que fundamentalmente não apresenta variação alguma em qualidade ou caráter. Pode ser o caso do protagonista ou antagonista.
Já o protagonista e antagonista redondo, também chamado de denso, são aqueles que variam, têm camadas e contradições. Por exemplo, o Homem de Ferro, é um herói que salva o mundo, mas também um playboy, às vezes arrogante, às vezes inseguro, imaturo, até finalmente atingir o máximo do seu heroísmo, dando a vida pela salvação do mundo.
Na esfera do antagonista, podemos ver Regina, a Rainha Má de Once Upon a Time, sendo perversa com sua rival, mas uma mãe superprotetora e até mesmo uma heroína em busca da redenção.
Esse tipo de contradição, no sentido de emoções opostas dentro do personagem, agrada ao público. Pois, no fundo, ninguém é totalmente bom ou mal. Nas palavras de Sirius Black:
“O mundo não se divide em pessoas boas e más. Todos temos Luz e Trevas dentro de nós. O que importa é o lado o qual decidimos agir. Isso é o que realmente somos.”
Plano ou Redondo
Novamente, não existe uma regra. Vale estudar o gênero literário abordado, o design da estória, bem como o propósito do autor em relação à obra.
Segundo Dani Ferreira, o escritor precisa criar estórias estritamente relacionadas à sua visão de mundo, aquilo que acredita e quer transmitir ao seu público.
Essa visão de mundo precisa estar conectada à moral da estória, ou seja, a mensagem que o leitor guardará quando terminar de ler a última página. O crime compensa? A justiça tarda, mas não falha? Todo mundo cresce e envelhece enquanto estiver vivo neste mundo?
Seja qual for a mensagem final, ela deve entrar nas fases de descoberta e planejamento da estória, conforme propõe Dani. Leia mais no post como escrever um livro passo a passo.
Dessa maneira, o escritor poderá escolher estrategicamente que tipo de protagonista e antagonista vai desenvolver no seu livro.
O que é um bom protagonista
“O protagonista tem de ser empático; ele pode ou não ser simpático.” — Robert Mckee.
Seja qual for o tipo de protagonismo e de protagonista trabalhado, ele ou ela precisam despertar a empatia do público. Ou seja, o leitor deve conseguir entrar na pele deste personagem.
Mesmo se ele for falho, talvez até um anti-herói, a audiência precisa se envolver com o desejo, a motivação e o que o protagonista precisa.
Por exemplo, em O Poderoso Chefão, vemos um mafioso como protagonista. Mas, o excelente uso de flashbacks, os conflitos internos com relação às relações familiares e até de limpar o nome da “família”, bem como os externos, relacionados à guerra entre as gangues, tudo isso, coloca a plateia dentro da mente do protagonista.
Mesmo sabendo seu desfecho, decadente, como toda estória de máfia, estamos envolvidos demais com seus os conflitos do personagem para negligenciar sua trajetória.
Isso nos mostra outra exigência do protagonista, mesmo que tenha uma característica dominante negativa, como é o caso do Poderoso Chefão, é necessário contrabalancear com uma qualidade positiva. No caso do Poderoso Chefão, os Corleone são leais. O mesmo raciocínio serve para o antagonista.
Por exemplo, vemos muitos vilões charmosos ou carismáticos e emblemáticos, que nos fazem torcer por eles. É o caso de Darth Vader, que cativou os fans da saga Star Wars.
Acima de tudo, o protagonista coloca a estória para frente, ainda que seja passivo. Os eventos e suas reações a ele fornecem dinâmica à estória e a faz sair do lugar.
A importância do antagonismo
Nesse sentido, o antagonismo é tão importante quanto o protagonismo. Ora, se o protagonista quer algo e age em função disso, o antagonismo vai contra essa relação de forma tão potente quanto.
Essa luta entre duas forças opostas é que torna a estória interessante, emocionante e inesquecível. De acordo com Mckee:
“O princípio do antagonismo: um protagonista e sua estória só podem ser tão intelectualmente fascinantes e emocionalmente convincentes quanto as forças do antagonismo permitirem.”
Logo, é o antagonismo que forja o caráter do protagonista ao longo da estória. Sem a sua ação, o protagonista dificilmente sai do seu lugar e parte rumo ao seu desejo.
O poder da pressão
De forma geral, os seres, não apenas humanos, não se movem sem pressão. A lei da inércia, proposta por Isaac Newton, aponta que:
“A tendência dos corpos, quando nenhuma força é exercida sobre eles, é permanecer em seu estado natural, ou seja, repouso ou movimento retilíneo e uniforme”.
Assim, para alguma coisa acontecer, é preciso uma força contrária à nossa primeira vontade de permanecer no comodismo, naquilo que conhecemos, sem alterações.
Assim, cabe ao antagonismo gerar esta força, esta pressão, de modo a desestabilizar o mundo do protagonista e atrapalhar seu desejo, ainda que seja de ficar parado na mesma situação.
Antagonista como um personagem
Como demonstramos até aqui, as forças do antagonismo podem habitar até mesmo dentro do protagonista e não se materializar em outro personagem. Mas, quando isso acontece, este personagem se torna o vilão da estória.
Reforçamos que o vilão pode ser totalmente mau, como a versão tradicional de Malévola, ou ter facetas do bem, como a nova versão proposta no audiovisual.
Os mesmos tipos, redondo ou plano, também funcionam com o antagonista. Porém, o vilão precisa ser ativo na estória e fazer o protagonista suar a camisa para chegar ao final da estória, seja com aquilo que quer ou o que precisa.
Lembre-se: este personagem será uma pedra no sapato, um obstáculo a ser combatido, vencido ou não, pelo protagonista. Então, precisa ser criado com características proporcionais a sua função.
Assim, essas são as principais forças de uma narrativa ficcional. Seja qual for o gênero ou o design, elas devem estar presentes. Então, se você gostou de aprender sobre os pilares de criação de protagonista e antagonista, compartilhe o conteúdo e retome a ele sempre que for escrever a sua estória. Até a próxima!
Referência:
Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro. Robert Mckee. Editora: Arte e Letra.